Ela estava recostada no sofá. Tomara banho agora há pouco, e seus ruivos cabelos deslizavam pelo ar a cada rajada de vento vinda da janela entreaberta. Já era noite, e a lareira queimava um fogo ardente, quente, tal qual fora o amor entre eles. Eles? Sim, eles. Ele estava sentado na poltrona ao lado, e segurava fortemente a mão da amada. Seu cabelo negro, com mexas indicadoras da ação do tempo, estava frio, gélido, parado, e as luzes do fogo incendiavam o seu coração. A expressão em seus rostos mostrava que algo não estava bem. Ela recordava dos bons momentos, das boas lembranças, dos sentimentos que predominaram a vida deles por vinte anos. Ele tentava lembrar da infância, da adolescência, de, quando ainda crianças, se conheceram em uma tarde chuvosa, embaixo do escorregador. Mas esses pensamentos logo se perdiam, e vinham à sua cabeça momentos negros, nos quais não a via. Tudo por que tinha passado sozinho, só e somente sozinho, querendo e procurando, desesperadamente, pela sua companhia, que não encontrava, vinha à mente, e tomava-lhe o corpo; uma agonia tão grande que, nas várias vezes que fechara os olhos, diante de sua amada, à luz da lareira, lágrimas saíam e corriam seu nariz, até cair no tapete, onde seus pés, descalços e providos de apenas duas meias, tocava o chão frio, tal qual fora o amor entre eles. Os pinheiros dançavam a música do vento, para que a lua cheia, acima da montanha, se encantasse com a linda oferenda. Aqueles dois, à frente da lareira quente, nunca mais se encontrariam novamente.
Ela estava recostada no sofá. Tomara banho agora há pouco, e seus ruivos canelos, molhados, penetravam a alma dele, como uma faca entra no corpo de seu infeliz alvo. O silêncio era tal que, às vezes, podia-se ouvir os pensamentos de cada um, naquele exato momento. A noite chegara, e junto a ela, vinham os ruídos da escuridão. Ruídos aqueles que, em tempos passados, tanto tinham ouvido e por eles passados, imunes aos seus efeitos. Agora, sentiam medo. Estavam juntos, e sentiam medo. Nem mesmo o fogo animava-lhes o estado de espírito. Talvez porque aquele fogo tivesse se transformado, sem aviso prévio, de uma hora para outra, em algo morto. Via-se que a sua forma era de chamuscantes faíscas quentes em uma lareira, mas não tardava a perceber que era somente a forma; aquelas faíscas eram tão frias quanto um cubo de gelo; um cubo de gelo dentro de uma prisão. E eles nunca mais se encontrariam novamente.
Era tarde. Já passava das onze, e nenhum dos dois pronunciara uma só palavra. Apenas os olhares. Entretanto, aqueles singelos e verdadeiros olhares valiam muito mais que mil palavras. E eles já sabiam o que o destino lhes reservara. Pior ainda, sabiam o que tinham de fazer. Mas isso podia esperar um pouco; queriam continuar ali; queriam brincar, rir, sentir, tudo ao mesmo tempo, através do simples ato de olhar; olhar não só nos olhos, mas, principalmente, no coração. E ficaram olhando. Contemplaram um ao outro, de uma forma nunca antes contemplada, um último momento antes do inevitável adeus. Tudo através de um único olhar.
Ela estava recostada no sofá. Tomara banho agora há pouco, e seus ruivos cabelos choravam uma dor tão imensa que a simples diferença entre viver e não viver já não era mais percebida. Ele se fora. Atravessara a porta rumo ao desconhecido, rumo aos pinheiros, ao vento, às montanhas, à lua cheia. E eles nunca mais se encontrariam novamente.
Olá, Caio!
ResponderExcluirGostei da temática dos dois últimos textos postados. As ideias são bacanas e você parece ter aquela capacidade essencial - a quem quer passar ideias por meio da escrita - de notar detalhes, minúcias. Só acho que você precisa de um pouco mais de treino e planejamento. Além disso, seria interessante fazer com que as imagens escolhidas (como a da cadeira giratória escura como breu) reflitam algo no texto como um todo. Bem, no geral, gostei muito. Prometo voltar mais vezes.
Beijão!