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domingo, 16 de maio de 2010

Desabafo de um caso plausível, verossímil, mas não necessariamente real.


Imagem de uma possível personagem numa rua atrás do Terminal de Ônibus da Lapa, em São Paulo


Quando acordo, se durmo, penso comigo: “quem sou eu?”; quando durmo, toda vez que acordo, sinto uma sensação ruim, algo como que meu corpo pedindo para voltar ao sonho... mas não, a vida não me deixa ser livre e preciso despertar para mais um pesadelo.

Está frio. O chão, tão duro quanto o pão que tenho comer, quando tenho, me dá um recado: “seu dia vai ser difícil, rapaz”... ao que respondo: “amigo, e qual foi o meu dia fácil?”; “Sim, é verdade, nenhum de nós dois sabe o que é um dia fácil...”; percebendo que a conversa não levaria a nada, deixo de falar com o cimento e tento me concentrar em coisas mais urgentes, como o café da manhã.

Nenhuma cesta de lixo acordou ainda, talvez por ser madrugada agora; mas uns poucos gatos pingados e cachorros vira-latas estão passando pela minha frente.

- Moço, uma ajuda pr’eu tomar uma média!
- Não, amigo, brigado, hoje não...

“Brigado”? Como assim, “brigado”? E eu lá ofereci alguma coisa? Já não possuo nada, quanto mais oferecer a alguém no meio da passarela!

- Moça, qualquer coisa pr’eu poder comer...
- ...

Pois é, essas reticências são um saco, mesmo... às vezes, como agora, úteis para expressar que eu parei de falar pra pensar um pouco e dar um tempo pra você, leitor, pensar também; mas quando elas são usadas pra expressar o famoso “vácuo”, colega, eu fico bravo...

- Ah, garotinha, por favor, um trocadinho pro pob...
- Não Melissa, vem com a mamãe, não chega perto dessa gente!

Outra tentativa frustrada... “gente”, que “gente”? Quem a madame acha que eu sou? O que ela pode saber da minha vida pra falar alguma coisa? Amigo, sinceramente, depois de quase uma página inteira acompanhando o meu pensamento, qual a sua opinião, por acaso pensas tu que eu quero viver assim? Acordar no meio da calçada, pedir esmola, comida e por misericórdia, meu senhor, você pensa mesmo que eu sou desse jeito? Melhor: você acha que alguém é desse jeito?

Menos pior que já vai dando umas seis horas... sabe qual é o mais engraçado? Eu sou uma pessoa! Sim, de carne e osso, com olhos, boca e cérebro, com pernas, braços e coração... principalmente coração...por incrível que te possa parecer, eu tenho sentimentos, eu existo! Mas mesmo assim fazem de conta que pertenço à paisagem, um boneco de enfeite muito, muito feio... e até o cachorro vira-lata do qual falei tem sorte melhor que a minha: está na terceira bolacha desde que começou a mendigar, também...

Não vou me prolongar muito, afinal, a minha história é igual ao de um CD riscado: repete, repete e repete. Ninguém presta atenção em mim – ou prestam e fazem de conta que não; inclusive algumas caras de cartazes que hoje estão de terno e gravata, discursando em nome do povo e dos miseráveis, indo para Brasília, pro Rio, pros EUA, enquanto eu, bem, nem queria saber pra onde sou mandado...

Por isso que, quando acordo, se durmo, penso comigo: “quem sou eu?”; quando durmo, toda vez que acordo, sinto uma sensação ruim, algo como que meu corpo pedindo para voltar ao sonho... mas não, a vida não me deixa ser livre e preciso despertar para mais um pesadelo.
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