Quando algum carro com o vidro fechado passa, sinto vergonha de mim mesma. Eu, que um dia já fui frondosa figura, já dei o de comer a centenas de bichinhos que repousam seus corpos sobre mim e sombra àqueles cujo cansaço era demasiado para continuar, estou aqui, pelada. Sim, nua, mas em pé.
Minhas amigas, mortas, jazem sobre os céus que acompanharam o verdadeiro genocídio ocorrido nesta manhã. Ainda vivo, mas por pouco tempo: após comerem, os predadores, armados de presas cortantes, vêm tirar cada uma de nós da terra. Arrancando-nos as raízes, não podemos mais sobreviver.
Sabe, nunca vi tamanha crueldade durante todos esses anos. É claro que a Natureza oferece a vida ao mesmo tempo em que nos decreta a morte – mas é preciso; caso contrário, não conseguiria se sustentar.
Eu mesma tinha consciência disso, e, vendo as árvores se desfalecerem com o passar do tempo, aguardava minha hora, resignada. Sim, morta, mas digna. Porém, esses seres que não há muito se instalaram em nosso campo, não contentes com o espaço roubado, também querem liquidar os poucos valentes restantes do chamado “jardim” – nunca ouvi nome mais bobo, se querem a minha opinião.
Infelizmente, não posso desfrutar mais meus minutos com você, porque o animal se aproxima. Rindo, olhando para as nuvens e rezando palavras vãs – tentam benzer-se contra a maldição que lhes é preparada. Mas não há dúvidas da sua ignorância: quanto mais oram, mais aproximam de cada um a morte esperada. E não uma morte digna, mas torturada, sem ares limpos para respirarem, sem águas cristalinas para beberem e sem comida para se nutrirem. Enfim, cavam sua própria sepultura.
A minha, mesmo aberta por mãos alheias, mesmo criada à força, é honrada: nada mais fiz que senão ajudar, às custas da própria integridade, os que vieram pedir ajuda.
E você, o que já fez?